19.7.10

Ontem

Ontem, numa linha rápida
senti a solidão do vento gelado
nem ele me dava conversa

então o sol despede-se
o cobertor e eu repousando no frio da madrugada
um ouvido atento ao infinito...
junto com os olhos e a imaginação
o outro atento à cabeceira da cama
na companhia da esperança e da solidão
parada na porta, esperando não pernoitar

mas com ela reparti minha cama
nem os dois travesseiros me convenciam
sequer a luz do poste projetada na parede
até ela veio me ver

repouso o corpo da tensão da espera vã
agora entendo a expressão "peguei no sono"
agarrei-me a ele como a última condução
antes eu almejava a casa quente
há pouco me vinha o teu retrato me esperando

um café ou simplesmente algo bem mais essencial
tu
nem um tampouco outro
a condução me leva à manhã numa viagem sem volta
me detive ao sono
rendi-me ao descanso
depois da reza tomei a carruagem
vim parar na aurora

depois do banho
de água e de ervas
eis-me aqui

relato a solidão que é ficar mais ou menos longe
sem sentir teu perfume
sem sentir que algo querias me dizer
sentindo-me um monolingue
numa terra de sábios

mas já é amanhã
e se o sol levanta e não pragueja
não me é de direito fazer diferente...

Aurora

A aurora anuncia-se
porém tímida, embebida pelo cinza
o galo anuncia a manhã
berrando mesmo...

o guerreiro
de campana até muito
desperta e retorna
o corpo pesa
abalroado à cama por meio d'alma

estive contigo
a batalha travou-se entre o querer e o poder

quero tanto que quando penso
me vêm as lembranças mais improváveis
ilusão do cavaleiro
que
ou cavalga a trote
ou empunha a espada e o escudo

estúpido amante
que ainda tenta erguer-se

se o tempo firmar eu fico, durmo e moro
caso a taipa não segure os trovões
eu amarro, cubro, conserto...

goteiras de sentimentos carinhosos espalhadas por todo o rancho
frestas enormes deixam nu o quarto, a pele...
o coração...

15.7.10

Todos os dias

hoje
como em todas as seis horas
desde aquele dia
acordei pensando em ti

te dei bom dia
dormi contigo
e antes disso tu já estava aqui

passamos os dias juntos
os dias inteiros...

14.7.10

O monge e o escorpião

Monge e discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora, o bichinho o picou e, devido à dor, o homem deixou-o cair novamente no rio.
Foi então a margem tomou um ramo de árvore, adiantou-se outra vez a correr pela margem, entrou no rio, colheu o escorpião e o salvou. Voltou o monge e juntou-se aos discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.

- Mestre, deve estar doendo muito! Porque foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda! Picou a mão que o salvara! Não merecia sua compaixão!

O monge ouviu tranqüilamente os comentários e respondeu:
- Ele agiu conforme sua natureza, e eu de acordo com a minha.

Esta parábola nos faz refletir a forma de melhor compreender e aceitar as pessoas com que nos relacionamos. Não podemos e nem temos o direito de mudar o outro, mas podemos melhorar nossas próprias reações e atitudes, sabendo que cada um dá o que tem e o que pode. Devemos fazer a nossa parte com muito amor e respeito ao próximo. Cada qual conforme sua natureza, e não conforme a do outro.

P.S.: Não leva autoria, mas aplausos efusivos...

8.7.10

Você nunca está só

Sabe aquela tarde? Aquelas...
Aquelas em que o ruído da folha que caía cortava o silêncio
ardendo na alma...
em que horas e horas e horas... e nada...
nem dentro nem fora...

ninguém veio sentar ao seu lado
não seria pelo seu envolvente perfume
não seria, na verdade, por qualquer motivo
se o banco já não estivesse ocupado...

pare com o brado
desarme essa coisa de atirar em quem está desarmado
se olhar prá cá
certamente vai sentir
depois de ter me conhecido
nunca mais ter havido
solidão...

7.7.10

10 segundos

meio besta
mas funciona
por dez segundos...

quando arde o coração
mais de mil ideias
fuga, tremor...

busca até na internet
nada, nada...

fingir que esquece
é o que ajuda
por dez segundos...

Ramalhete

todo dia ramalhete nas mãos
confusão, profusão, correria

ouro na aura
flores no hálito
veludo nas mãos e na voz

ilumindado pensamento, retido proferir...

Ignorância poética

longa a espera
ante a pouca paciência

prá lá as mentes quietas
bocas abertas
secando com o vento

prali, doenças boca afora
ouro água abaixo
estupidez extravasada

manicômio ao ar livre...
Não me vem lembrança melhor
do que quando, procurando qualquer coisa
nossos olhos se encontraram...

6.7.10


Floreios de um universo. O ângulo do qual uma situação é vista é imprescindível, caso a intenção seja transpô-la. Ideia antiga é a de que quem está de fora sempre conduz melhor a situação... se é mais fácil, vale sair da dificuldade, lavar o rosto do lodo medonho e não abraçar tanto a bigorna que afunda... né? E a foto? Bom, também não é preciso ser uma formiga para perceber a beleza, grandeza, diversidade do jardim da própria casa...
de minha autoria
somente esta linha
o rastro deixado

desde lá onde
ele começa
há pessoas, flores
sapatos e perguntas

cíclica, instável
sorridente, sofrida

de reta
somente a linha traçada
e todo mundo acha mesmo que entendeu...
andei olhando
uma bunda balançando

me chamava de meu bem
amor eterno, só nós dois

esfregou na minha cara
em meus olhos saltitantes

noque pude respirar
perguntei à dona dela;
- E o amor, fica prá quando?

5.7.10

Os outros

me mato
prá depois dizerem
que foi sorte

me arrebento
cheiro a morte
prá depois dizerem
que foi tudo
por acaso
sabe que hoje
exatamente antes
rompeu-se a última amarra
o que era ferida passou
a fissura curou
a casca saiu...

o susto foi
puxão do esparadrapo
emoção de novela
de corpos superficiais
de reminiscências que brotam
quando convém...

e hoje o dia acaba
o sol se põe
e já promete
a leveza do vôo solo
já em contagem regressiva...

A gente sempre sabe

a gente sempre sabe
que a gente sempre sabe
sabe mesmo o quanto cabe
só não sabe se não quer

prá bom entendedor
já entendeu lá na frente
já sabe que eu sei
já se foi de repente

ela acha que eu não sei
eu já disse que não sei
sinto muito por isso
sinto muito por isso

sinto muita admiração
muita
mas, como te disse, a gente sempre sabe
quando não bate forte o coração...

12.04.2010